2007/09/26

Reconciliação


Tenho vindo a voltar-me para mim mesma, como se regressasse a um casulo. Dou comigo a viajar pelas minhas memórias, recordando dos mais ínfimos pormenores da minha infância. Consigo-me lembrar de coisas desde os 2 anos, como pude confirmar com a minha mãe, ao contar-lhe os episódios de que me recordo.

Lembro-me da minha mãe sempre apressada, sempre a fugir, a caminhar a passos largos para ir levar o almoço ao meu pai, e eu a seu lado tinha de correr. A cada passada rápida dela, eu tinha que dar 4. Talvez daí que o sprint tenha sido o meu forte em Atletismo, em oposição ao endurance.

Lembro-me de pensar nas coisas, nos objectos, como hoje já não sei pensar. De tudo claramente entrar-me pelos olhos dentro. De brincar debaixo da mesa da sala, que num ápice se transformava em castelo. De como tudo parecia tão grande. De vir para casa ao fim da tarde com o meu pai, que saía mais cedo da loja e deixava a minha mãe a fechar o estamine, tudo para conseguir encontrar lugar para estacionar à porta de casa; há 30 anos em Faro pelos vistos o trânsito já era caótico *risos* . Lembro-me particularmente destes momentos em tempo de Inverno. Acendíamos a lareira, às vezes assávamos castanhas e ele contava-me histórias que não vêem em livros. Às vezes havia temporal, a electricidade ia abaixo e ficávamos apenas iluminados pela lareira. Só ele me protegia do medo do escuro, que ainda hoje tenho. Depois do jantar deitávamo-nos no sofá. Ele fazia-me cócegas, enchia as bochechas de ar para eu as apertar enquanto ria. Toda eu era mãos na sua cara: na barba, sobrancelhas, orelhas, na maçã-de-adão.

Cantava sempre, lengalengas sem sentido, ou jingles comerciais, ou aqueles tops, que todos os trintões bem conhecem. As músicas a sério, cantava escondida pois tinha vergonha. Encontravam-me sempre escondida agarrada à ficha do ferro de engomar. Calava-me abruptamente, como se tivesse a cometer um pecado e ninguém arrancava mais um pio meu. As lengalengas, produzidas na loucura da brincadeira, essas eram ostensivamente expostas, deixando a minha mãe louca “NINA dá-me 2 minutos de DESCANSO!”

Lembro-me de andar de roda do meu pai quando ele andava a fazer as suas engenhocas e orgulhosamente me chamava a sua “servente”. E de cirandar em torno da minha mãe quando havia forno quente, pois depois do pão, já sabia que era um bolo, e antes de entrar no forno, ia tocar-me a mim raspar a tigela da massa.

Lembro-me de tudo isso e muito mais e penso na minha filhota. Consigo olhar para a minha casa, e penso conseguir adivinhar o seu olhar, a esventrar tudo, a esmiuçar o porquê das coisas. E hoje consigo imaginar a minha filhota, a também ela ter os meus pais como avós, a aprender tanto com eles.

Do topo dos seus 80 anos, os pais ficaram felizes quando há apenas 2 semanas lhes dissemos que a Lu está grávida. “Olha uma neta!” Do topo dos seus 80 anos, confirmaram-me que sabiam que não somos apenas amigas e “queremos é que sejam felizes”. Uma prova de amor, tolerância, cuja falta me pesava no peito. Agora sinto-me mais leve. Numa palavra: reconciliada. Tenho muito orgulho deles.

2007/09/20


Já vai tanto tempo desde que aqui escrevi, e tanta coisa se passou! Passado dia 12 foi a ecografia morfológica das 20 semanas. Fizemos a ecografia 4D e fomos apresentadas à nossa filhota, live from inside Lu. A pimpolha estava pendurada de cabeça para baixo, bem aninhada de ladecos de encontro à mãe. Portanto, de costas para o mundo. Foi difícil de convencer a mostrar a cara, pois tinha sempre a mão esquerda fechada de encontro à cara. Continuo a pensar que temos uma chuchadora. Lá conseguimos ver-lhe a carinha. Laroca por sinal, mas eu sou parcial. Ainda é magrinha. É caso para dizer que é pele e osso, mas já se vê tudo, nariz, olhos, orelha, maças do rosto, lábios. Do que vejo fico feliz, sai à mãe! Os lábios grossos, nota-se, como que a dizer marca registada ®. As maças do rosto também são como as da Lu. Num momento, faz nitidamente uma birra: esfrega a cara, nariz como se tivesse impertinente para dormir, vira a cara e tapa a cabeça com o braço como que a dizer: deixem-me da mão, quero estar sossegada!

A nossa filhota é linda, e encontro-me definitivamente apaixonada por ela. À noite, antes de dormirmos, a mamã Lu deixa-nos brincar um bocadinho. Fico ali a falar com ela, a dar-lhe beijinhos, e a sentir os pontapés que já se fazem sentir. Está quase sempre do mesmo lado: do lado esquerdo. Às vezes encosto o ouvido à barriga e fico a tentar ouvir. Tento distinguir os sons da mamã, dos que faz a filhota nas suas cambalhotas.

Queria muito ter uma janelinha para a ver todos os dias.

2007/09/05

Há alguns meses atrás (mais ou menos por volta da mesma altura em que nos propusemos voltar a fazer a última inseminação) uma colega de uma amiga nossa, que não nos conhecia de lado nenhum senão de aparecermos na loja onde ambas trabalham para visitar a nossa amiga, sonhou que estava um dia na praia e que nos vê a vir na direcção dela e que a Lu trazia um grande barrigão. Assim, do nada, sem saber que éramos um casal, nem tão-pouco os planos que tínhamos de engravidar.

Na altura em que fizemos a inseminação a Sheena disse que sonhou que tínhamos uma menina.

Ambos os sonhos se concretizaram. Quer dizer o primeiro para ser inteiramente verdade temos que marcar uma ida à praia com a colega adivinhona, pois não se pode perder uma oportunidade de recriar um sonho por completo.

Hoje no meio de um telefonema de trabalho, disse em jeito de galhofa a um colega meu:

- Ó gajo, tu estás para ter algum bebé?

- Então porquê?

- Porque esta já é a segunda noite consecutiva em que sonho contigo e com um bebé, um menino teu.

- Olha, estou todo arrepiado… sabes o problema que a Lu teve? Nós tivemos 2 no espaço de 6 meses… cada vez que vejo um puto até babo… não sei se agora devo dar um tempo para relaxar…

Arrepiada fiquei também e disse-lhe que sim, que devia tirar isso do sistema, viver a vida, namorar muito, fazer todas as loucuras que ainda tem tempo para fazer… que gozasse da vantagem que eles têm sobre nós, i.e. poderem engravidar por acidente (a nossa não há como tirar do pensamento, é tudo muito planeado). Quem sabe no meio disso, uma surpresa chegasse.

Às vezes esta coisa dos sonhos, é uma cena curiosa…

Continuo a achar muito injusto que qualquer pessoa possa parir de qualquer forma uma criança, para crescer muitas vezes aos trambolhões, para ser abusada, enfim... e que outros, que tanto querem ter o seu beija-flor, que tenham que sofrer tanto até conseguir.

Está tudo bem e é uma menina. Já tem nome, mas estou hesitando em divulgá-lo pois afinal a nossa menina também tem direito à privacidade. Assim, vamos pensar um pouco no assunto e depois voltarei ou com o nome ou com o nick.
Obrigada a tod@s pela força que nos deram. Agora espero que tudo prossiga com maior serenidade... pelo menos até quando a nossa bebé começar a dar pontapés nas costelas da mamã Lu... (diga-se de passagem, que eu estou desejando que isso aconteça: eu vou estar à coca para a sentir).