Tenho vindo a voltar-me para mim mesma, como se regressasse a um casulo. Dou comigo a viajar pelas minhas memórias, recordando dos mais ínfimos pormenores da minha infância. Consigo-me lembrar de coisas desde os 2 anos, como pude confirmar com a minha mãe, ao contar-lhe os episódios de que me recordo.
Lembro-me da minha mãe sempre apressada, sempre a fugir, a caminhar a passos largos para ir levar o almoço ao meu pai, e eu a seu lado tinha de correr. A cada passada rápida dela, eu tinha que dar 4. Talvez daí que o sprint tenha sido o meu forte em Atletismo, em oposição ao endurance.
Lembro-me de pensar nas coisas, nos objectos, como hoje já não sei pensar. De tudo claramente entrar-me pelos olhos dentro. De brincar debaixo da mesa da sala, que num ápice se transformava
Cantava sempre, lengalengas sem sentido, ou jingles comerciais, ou aqueles tops, que todos os trintões bem conhecem. As músicas a sério, cantava escondida pois tinha vergonha. Encontravam-me sempre escondida agarrada à ficha do ferro de engomar. Calava-me abruptamente, como se tivesse a cometer um pecado e ninguém arrancava mais um pio meu. As lengalengas, produzidas na loucura da brincadeira, essas eram ostensivamente expostas, deixando a minha mãe louca “NINA dá-me 2 minutos de DESCANSO!”
Lembro-me de andar de roda do meu pai quando ele andava a fazer as suas engenhocas e orgulhosamente me chamava a sua “servente”. E de cirandar em torno da minha mãe quando havia forno quente, pois depois do pão, já sabia que era um bolo, e antes de entrar no forno, ia tocar-me a mim raspar a tigela da massa.
Lembro-me de tudo isso e muito mais e penso na minha filhota. Consigo olhar para a minha casa, e penso conseguir adivinhar o seu olhar, a esventrar tudo, a esmiuçar o porquê das coisas. E hoje consigo imaginar a minha filhota, a também ela ter os meus pais como avós, a aprender tanto com eles.
Do topo dos seus 80 anos, os pais ficaram felizes quando há apenas 2 semanas lhes dissemos que a Lu está grávida. “Olha uma neta!” Do topo dos seus 80 anos, confirmaram-me que sabiam que não somos apenas amigas e “queremos é que sejam felizes”. Uma prova de amor, tolerância, cuja falta me pesava no peito. Agora sinto-me mais leve. Numa palavra: reconciliada. Tenho muito orgulho deles.
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