2006/03/27

D. Mariana

Isto era uma alegria, meninas, uma alegria” Dizia-me com nostalgia no olhar. “Todos semeavam trigo, centeio, cevada e todos ajudavam uns aos outros. Alugávamos juntos uma debulhadora, que para aqui vinha debulhar o trigo. Chegou a estar cá um mês para debulhar toda a nossa colheita. Agora somos só nós, aqui no monte, que os jovens foram todos para o Algarve” Enquanto subíamos um caminho de serra íngreme, D. Mariana contava-nos todas estas coisas, sempre apoiada no seu bordão. Como ela tencionava levar aquela saca de erva para o gado que eu e a Lu transportávamos juntas, monte acima, monte abaixo, não sei. À minha pergunta sorri e responde “À cabeça!” Claro… à cabeça…85 anos… Fala-nos das eiras, o sítio onde tudo acontece. O trabalho, os bailes… Fica espantada quando lhe falamos a apanha do milho, e da adiafa*! “Ai vossemecê conhece isso?! Ora toma!” Vê-se nos olhos um brilho de reconhecimento. “Isso é que era uma festa bonita!” Interrompo-a para lhe perguntar como era quando alguém encontrava uma maçaroca de milho vermelho, se sempre era verdade que tinha de abraçar toda a roda. “Pois era!!! Vejam só! Vossemecês conhecem isso…” Vai-nos mostrando a serra, e apresentando os terrenos e suas histórias. Diz-nos que os moços de todos os montes se reuniam naquele pedaço de terreno para jogar à bola. Olhamos incrédulas para o terreno. De facto é dos mais direitos. Mas devia ser tramado para o guarda-redes da baliza de baixo! Chegando a casa, quer dar-nos alguma coisa, em paga. Que não, dizemos. Já nos deu as laranjas. Que foi em primeiro lugar o que a levou a meter conversa connosco. Ao chegar a casa confessa-nos que perdeu o marido à 15 anos atrás. Quer-nos mostrar a casa, mas não consegue abrir a porta por estar inchada da humidade. “Faço vida nas casas de trabalho, já há muito tempo que aqui não entro.” Cada uma daquelas portas tem um objectivo; guardar as coisas da horta, fazer vinho, etc.

Fico pensando nisto tudo, nestas realidades e em como deve ser duro para estas gentes ver o seu mundo desaparecer. Sem os mais novos continuarem as suas pisadas.

*Adiafa: festa que se fazia com a família e vizinhança, nas eiras, para debulhar o milho, depois de seco. Fazia-se uma roda de gente de volta de uma pilha de maçarocas, trabalhava-se, cantava-se, comia-se e bebia-se. Quem achasse uma maçaroca de milho vermelho (chamavam-lhe milho rei, creio) tinha de percorrer a roda toda com abraços.

PS: Correcção da minha Lu- adiafa é a alusivo a qualquer termino de trabalho, como a apanha da azeitona, alfarroba, o debulhar do trigo, centeio... até a construção de uma casa.

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