Estamos juntas há 8 anos e 4 meses exactamente. Apaixonámo-nos uma pela outra sem nos apercebermos. Começamos por viver o nosso amor dia a dia, como 2 condenadas, que de um dia para outro seriam separadas. Dizíamos que não podia ser, que não havia futuro para nós duas juntas, não tínhamos forças para enfrentar o mundo, não poderíamos ter filhos, como tal restava-nos todos os momentos até à inevitável separação. Separámo-nos enfim, como amantes, mas não como amigas, pois isso não conseguíamos. Esta "separação" durou um mês. Um longo mês de Agosto. O reencontro achou-nos mais apaixonadas que nunca, mais famintas uma da outra. Um pedrinha residia contudo no meu coração: a impossibilidade biológica de ter um filho com a Lu.
Os anos foram passando, com muitas surpresas pelo meio, muitas lutas, mais coming out's do que imaginaria. Ganhámos amig@s fabulosos, que nos deram/dão todo o apoio. Com a família é mais complicado, sempre foi. Os que sabem, preferiam não saber, os que não sabem *as if* continuam fingindo que não sabem.
Comprámos casa, i.e. casamo-nos há 3 anos. O tempo trouxe alguma ambicionada estabilidade e chegou o dia em que tomámos a resolução das nossas vidas, maior ainda que a de não nos tornarmos a separar. Iríamos ter uma criança juntas, filho biológico de uma de nós - da Lu.
Fizemos toda a investigação possível e imaginária sobre inseminação artificial na net.
Em pOrtugal, claro está, não é possível a uma mulher solteira fazer uma inseminação artificial, quanto mais a um casal de lésbicas. A alternativa contudo, está já ao virar da esquina. Espanha! Em várias cidades.
Contactámos com inúmeras clinicas espanholas via mail perguntando tudo quanto nos ocorreu. Pedimos ajuda a algumas pessoas nas associações portuguesas LGBT na esperança que alguém que já tivesse passado pelo mesmo nos desse alguma ajuda que guiasse a nossa decisão. Houve um empate técnico, ou seja houve quem nos ajudasse, e houve quem nos ignorasse.
Depois de literalmente massacrarmos com perguntas as pessoas que simpaticamente nos respondiam por parte das clinicas, decidimo-nos por uma em Barcelona. Seguimos todas as indicações, a Lu fez todos os exames (serológicos, hormonais e ecográficos) que nos indicaram e marcamos voo e hotel para fazer a primeira visita à clinica.
O objectivo da primeira consulta era fazer uma pequena entrevista, sobre os antecedentes familiares da Lu, conhecermos a médica que a assistiria, etc. Lá fomos as duas um pouco a medo afinal de contas não sabíamos ao que íamos, na net é sempre tudo muito bonito, mas sabíamos lá se não íamos parar a uma clinica manhosa. Logo na recepção foi dado uma ficha para preencher com os dados da Lu. A recepcionista perguntava e anotava as respostas. Às tantas vira-se para mim e pergunta "Es usted su pareja?" *enche o peito de ar e* "Si, soy" e começa a fazer algumas perguntas para que os meus dados constem também da ficha da Lu. Foi como se o tecto da clinica tivesse desaparecido subitamente, para dar a um céu azul intenso, com um sol resplandecente. Companheira e não amiga. A pergunta foi feita com o ar mais natural do mundo, sem embaraços, sem pestanejar. Seguiu-se a consulta com a médica, que também foi muito profissional. Estudou os exames da Lu, concluindo que tudo estava perfeito, seria um processo simples. Fez-me também perguntas a mim sobre os meus antecedentes clínicos. Perguntou há quanto tempo estávamos juntas "7 años" e há quanto tempo queríamos ter um filho juntas "hace 6 años y medio". Explicou-nos o procedimento, os prós e os contras. A inseminação seria feita com sémen de dador anónimo, pelo tivemos que escolher as características fenotipicas (cor de olhos, cabelo, tez...) que nos interessavam que o dador tivesse, e assinar um termo de responsabilidade. Saímos da clinica naquele dia como se caminhássemos sobre nuvens.
De regresso a Portugal, a Lu teve que fazer mais uns exames que faltavam, e assim que os enviou por correio para a clinica e que foram avaliados pela médica, estávamos prontas a prosseguir. Assim que, na menstruação que se seguiu, ao 3º dia a Lu começou a ter que receber injecções com o intuito de estimular a produção de foliculos. Foram 7 injecções diárias administradas por uma enfermeira medricas que apesar de ter pavor de agulhas, fez das tripas coração- eu. A minha babe foi uma linda menina que aguentou todas aquelas torturas que a fiz sofrer (digamos que quando finalmente estava a apanhar o jeito, as injecções acabaram-se), sem se queixar.
No dia seguinte à última injecção, a Lu fez uma ecografia para ver o número de foliculos produzidos. Tinham-nos dito na clinica que se fossem 1/2 foliculos, prosseguia-se, mas se fossem 3 ou + teríamos de parar e voltar a acertar a concentração do estimulante (esta medida é tomada para prevenir a ocorrência de trigémeos ou mais). Eram 3 foliculos, lindos, resplandecentes, mas 3. Ficámos com o coração nas mãos até falar com a clinica espanhola, pois pensávamos que teríamos que adiar mais um mês. Mas não! O terceiro foliculo era tão grande que iria desintegrar-se antes de ser realizada a inseminação, restando apenas 2. Foi marcada a hora da inseminação e deram-nos instruções para que esse mesmo dia à noite déssemos outra injecção de outra substância, com o objectivo de romper os foliculos e estimular assim a libertação dos óvulos propriamente ditos. Após essa injecção teríamos entre 36 e 40 h para reservarmos hotel, apanharmos o avião e realizar a inseminação.
Fomos com a maior antecedência possível para Barcelona, estávamos ambas muito nervosas, especialmente a Lu, e eu não queria que atrasos de avião ou coisas afins nos roubasse tempo ao prazo já de si tão curto. Aproveitamos a antecedência para passear um pouco e descontrair. Assim, chegada a hora, entrámos no consultório, a Lu preparou-se e deitou-se na marquesa. A médica ainda me perguntou se eu queria ser eu a fazer a inseminação, ao que respondi que "não, por favor, que como me encontro o mais provável é derramar tudo e deitar tudo a perder". Olhei para a Lu, vi como lhe batia forte o coração no peito e apercebi-me que acontecesse o acontecesse, a partir daquele momento nunca mais seriamos as mesmas. Após a médica ter feito a inseminação, a Lu teve que permanecer 10/15 minutos deitada e após isto allez para o hotel. Tão simples como isto. Claro que nós jogámos pelo seguro e fomos para o hotel para deitar e repousar mais um pouco e telefonar a todas as amigas que estavam histéricas esperando notícias.
De volta a Portugal tivemos de esperar 15 loooooooooooooongos dias para fazer o teste de gravidez. Havia, conforme nos tinham explicado, 25% de probabilidades de se engravidar à primeira (normalmente são necessárias 2/3 tentativas), assim como 25% de probabilidades de que em caso positivo, serem gémeos). Chegou finalmente o dia de fazer o exame e saber o resultado. A Lu guardou o envelope fechado para abrirmos juntas. Ao abrirmos não entendemos nada, pois o resultado era numérico e não do tipo positivo ou negativo como tínhamos julgado em principio. Um telefonema para a médica tirou a dúvida. A Lu estava GRÁVIDA! Chorámos que nem duas madalenas e agradecemos os parabéns que nos davam da parte da clinica "!que bien!"
Fomos levando a vida entre a euforia e a calma, pois nesta fase, tudo podia acontecer. Os hábitos mudaram-se, eu tive que dar mais ao cabedal do que era habitual, a Lu andava mais sonolenta, os cuidados com tudo redobraram. Os projectos surgiam como cogumelos e em breve, viviamos só em função daquela gravidez. Foram realizadas 3 ecografias: a primeira logo no inicio, a segunda às 6 semanas, que permitiu verificar que era apenas um embrião e a terceira às 12 semanas.
A terceira ecografia, veio tirar-nos o tapete debaixo dos pés, quando já não o esperávamos. Tudo tinha corrido bem até aquele momento. Porém nesta eco, pode-se verificar que o feto tinha uma malformação, uma apenas, mas fatal para o sua sobrevivência. A Lu teve de abortar, conforme aconselhado pelos médicos. É uma fase que gosto pouco de recordar, o sofrimento físico e psicológico pelo qual a Lu passou está longe de ser coisa pouca. É indescritível o que sentimos. Tentámos descobrir o porquê, o que teríamos feito mal. Os médicos asseguraram-nos que é algo que acontece sem motivo, um fruto do acaso, e que não é provável que torne a acontecer. Disseram-nos também para não desistirmos, que é mais vulgar do que se imagina na primeira gravidez problemas que inviabilizem o feto.
Num instante, onde havia um projecto de vida, instalou-se um vazio que nos deixou às duas ocas, como duas cascas. Valeu-nos às duas as amigas. Valeu-me a mim as únicas pessoas com quem tive coragem de desabafar em pleno e que nos acompanharam desde o inicio: a Sara e a Rita. Vocês, miúdas fizerem mais por nós que 100.000 psicólogos. Nunca vos conseguiremos agradecer o suficiente.
A Vida continua todos os dias e nós estamos bem agora. Não desistimos. Em breve tentaremos de novo. Queremos muito este bebé. Menino, menina, um, dois, moreno, loiro. Queremo-lo feliz, vivo, forte. Queremo-lo pela casa toda, a puxar os bigodes aos gatos, a sujar tudo de papa, a fazer todas as traquinices que uma criança tem direito. Queremos dar-lhe todo o Amor que tem direito. Queremos ensiná-lo a crescer com ideais e a lutar por eles sempre pois só assim faz sentido. Queremo-lo. Muito.
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